domingo, 18 de dezembro de 2011

Filhos de hansenianos buscam indenização

A voz engasga e as lágrimas correm fáceis quando a professora Iverlândia Lemos lembra dos onze anos em que foi obrigada a ficar afastada dos pais. Assim que sua mãe foi diagnosticada com hanseníase, ela foi ‘arrancada’ de seu convívio para se tornar ‘órfão de mãe viva’. “Eu não tive oportunidade de ser amamentada por minha mãe, não pude sentar no seu colo e, por causa disso, até hoje, passados 35 anos, eu não sei dizer ‘mãe’ para a mulher que me deu a vida”.
O relato de quem sofreu por uma política de saúde equivocada entre as décadas de 40 e 90 no Brasil, não é apenas de Iverlândia. Durante a audiência pública realizada na manhã de ontem na Assembleia Legislativa do Estado do Pará (AL) para discutir a necessidade de pagamento de indenização para os filhos de hansenianos que foram afastados dos pais nesse período, muitas foram as histórias contadas.
Ciente da importância de não negar seu passado, Iverlândia era apenas uma das pessoas que lotaram o auditório da AL em busca de respostas. “Fui retirada do convívio dos meus pais recém-nascida e fui levada para o educandário. Enquanto eu estava lá, eu não sabia quem eram os meus pais e nem onde eles estavam”, lembra. “Quando eu já tinha onze anos é que chegaram para mim e disseram ‘esses são seus pais’”.
Para ela, nada pode reparar os momentos de sofrimentos vividos em decorrência da separação, ainda assim, clama para que parte dos danos sejam amenizados. “Queremos que o governo federal tente reparar esses danos que causaram para a gente. A dor maior foi a retirada do amor de nossos pais e isso não pode voltar, mas eles precisam reparar”.
A indenização pleiteada atualmente pelos brasileiros afastados do convívio dos pais já foi recebido pelas pessoas que adquiriram a doença na mesma época, os pais. Segundo o coordenador nacional do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), Arthur Custódio, o Brasil foi o primeiro país a oferecer a reparação. “Foi o primeiro a indenizar os pais e, provavelmente, vai ser o primeiro a indenizar os filhos”.
AUSÊNCIA
Segundo ele, a AL do Pará é a 12ª do Brasil que aceitou conversar sobre a possibilidade de indenização. De qualquer modo, durante a reunião realizada ontem, apenas um deputado estadual compareceu. “Essa é uma questão de justiça, acima de tudo. O governo cometeu um grande erro que teve sérios prejuízos, mas é preciso que o governo reconheça que errou”, destacou o deputado estadual João Salame (PPS). “A reparação é o reconhecimento e, acima de tudo, o governo começar a agir de outra maneira. É preciso criar políticas públicas de inclusão”.
Para os representantes do Morhan, que fizeram questão de comparecer à audiência pública, a expectativa era maior. “Me sinto frustrado quando chego aqui e encontro apenas um deputado. Era necessário que todos os deputados estivessem aqui para demonstrar que são solidários à nossa causa e que não estão interessados apenas no nosso voto. É uma pena”, frisou o vice-presidente nacional do Morhan, Cristiano Torres.
Vítima da política que o separou de seus pais em decorrência da hanseníase, Cristiano é uma das pessoas que dedicam a vida à causa. “A nossa força é muito maior que a indiferença deles (deputados)”, acredita.
“Separou-se os filhos dos pais com hanseníase em todo o Brasil e não resolveu; a hanseníase continuou crescendo. Essa separação foi uma mutilação dos direitos humanos”.
Ao contar mais uma história de sofrimento em decorrência da separação, ele clamou pela ajuda das autoridades presentes. “Tenho uma irmã que toma remédio controlado porque esteve no educandário e, como as freiras não tinham como tomar contas de todas as crianças, davam remédio paras as crianças dormirem. Isso fez com que muitos ficassem com sequelas, assim como a minha irmã”. (Diário do Pará)

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