terça-feira, 26 de julho de 2011

A força da marajoara com sangue português

MARAJOARAS

Imagine um lugarejo onde só existem três casas, uma padaria e um  comércio. O local seria facilmente cenário de alguma história infantil. Mas a cidade não é uma obra de ficção e atende pelo nome de Boa Vista do Macojumbi, vilarejo localizado em Breves, na ilha do Marajó, onde Yolanda das Neves Pinto, hoje com 73 anos, viveu sua infância.
As terras foram herdadas pelo avô de Yolanda, que era português, no sistema de Sesmarias. “O meu avô quando veio de Portugal trouxe os títulos. Eram muitas terras, são mais de 10 hectares, nem sei mensurar direito. Ai para cada filho, o meu avô deu uns terrenos, depois morreram todos os meus tios. Ficou só o meu pai tomando conta de tudo. As terras existem até hoje, ninguém vendeu. Ficou tudo por lá e foram ocupadas por outras pessoas além da família”, contou a marajoara.
CURIOSIDADE

Sesmarias: antiga medida agrária do tempo do Brasil Império onde colonos e agricultores recebiam uma porção de terras do rei de Portugal. A intenção era desenvolver a agricultura, a criação de gado e, mais tarde, o extrativismo vegetal. Ao mesmo tempo, servia a povoar o território e a recompensar nobres, navegadores ou militares por serviços prestados à coroa portuguesa).
De Portugal a Breves
Antes de chegar ao Marajó, os ancestrais de Yolanda percorreram uma boa parte da região Norte.  “Meu avô era português e minha avó do Amazonas. Ele conheceu ela em Belém e só foram para o Marajó quando veio as Sesmarias. Meus avós tiveram meu pai e meus tios em Breves. Já meu pai conheceu minha mãe em Cametá”, disse.
O pai de Yolanda era dono da única padaria e do único comércio que existiam na cidade, além de ser proprietário de seringais. “Minha família tinha algumas propriedades, era uma família que tinha um pouquinho de destaque dentre as outras. Na época da borracha meu pai tinha seringais e também um comércio que se chamava de “comércio de aviamento”, onde a pessoa não vê a cor do dinheiro. Eu lembro bem que as pessoas chegavam com aquela borracha entregavam lá e levavam mercadorias. Meu pai também foi muito ligado a política. Foi prefeito e vereador por muitos mandatos. Tem até uma rua em Breves com o nome do meu pai: vereador Raimundo Neves”, lembrou.
Memórias do interior
Como toda infância vivida no interior do Pará, Yolanda relembra de momentos de tranquilidade cercada pela família quando era criança. “Eu tive uma infância tão boa, eu brincava, subia em árvore, era assim. Só com minha mãe, meus primos, meus irmãos. Quase não se saia de lá, não se conhecia Belém. Nós vivíamos lá, naquele lugarejozinho. Nossa casa era muito grande. Eu falo para meus filhos que o quarto onde eu dormia com minhas irmãs era do tamanho dessa casa que eu vivo hoje, só o quarto. Porém, quando morei lá, era tudo muito atrasado, não tinha luz, não tinha água, a gente puxava água de poço. No meu vilarejo também não tinha escola. Eu mesmo, nunca estudei”, comentou a dona de casa.
A residência da marajoara ficava na beira do rio Macojumbi. “Tinha tipo um porto na minha casa. Só se chegava pelo rio. Tinham os fregueses do meu pai que iam fazer compras, as pessoas que circulavam por lá moravam distante, elas chegavam remando na canoa e remavam muito para chegar lá. Também encostavam muitos navios na minha casa. Esses que vinham do Baixo Amazonas todos encostavam na minha casa. Eles embarcavam muito pão, bolacha, biscoito da padaria do papai”, conta.
Mudança para Belém
Somente aos 15 anos Yolanda conheceu Belém, trazida pelo irmão em uma viagem.  Aos 23 anos, a marajoara fixou moradia na capital paraense, já casada e com filhos. “Antes de vir para cá morei em Antônio Lemos (também em Breves) que era a comarca do meu marido. Quando fracassou a empresa que ele trabalhava lá, nós viemos para cá morar com a minha irmã. Não tinha mais emprego em Breves, eu tinha duas filhas mas não tinha nem leite para comprar. A gente tinha o dinheiro e não tinha onde comprar”.
Sair de um interior para uma capital é um grande desafio que foi sentido na pele por Yolanda e sua família. “Era tudo muito diferente aqui, nós chegamos logo meus filhos começaram a estudar. A cidade não tinha muitas coisas como hoje, mas já existia o teatro da Paz, a Basílica, a Sé, que era caindo aos pedaços. Já a noite não tinha muita coisa para se fazer. Hoje é bem melhor”, comparou a dona de casa.
A família de Yolanda veio para Belém em 1964, na época da Ditadura. "Foram tempos difíceis. Todo mundo ficou em estado de sítio, não se podia sair, vivemos sim esse momento. Não se podia fazer quase nada, não se podia falar, nem ouvir nada, tudo era proibido e nem tínhamos nenhum tipo de militância política, não tinha essa liberdade de ir e vir. Só em Breves que meu irmão continuou na política, tinha muita perseguição, quiseram até prendê-lo, mas não deteram nem ele e nem ninguém da minha família", conta a marajoara.
O grande orgulho de Yolanda durante a sua mudança para Belém foi ter formado todos os filhos. "Todos meus sete filhos estudaram, todos são formados pela UFPA, essa é a vantagem que nós tivemos. Se estivéssemos ficado lá, eles não iam estudar. Eu me sinto muito feliz por isso, isso é muito gratificante".
(Sâmia Maffra, DOL)



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