segunda-feira, 20 de junho de 2011

Portugueses: aventureiros e empreendedores

HERANÇA

Aventureiros e empreendedores são as principais características daqueles que se arriscam a sair de seu país para buscar uma nova vida em outro lugar. Francisco Ribeiro França, 90, é um dos milhares de imigrantes portugueses que ajudaram a povoar o Pará e deixaram heranças importantes na cultura e na economia da terra que os acolheu.
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Os portugueses representam a etnia imigrante mais numerosa no Brasil. Segundo o historiador Aldrin Moura de Figueiredo, o Pará tem uma das maiores colônias portuguesas em função da relação econômica e cultural com Portugal. “Muitos portugueses imigrantes eram pobres e vieram com a perspectiva de ter futuro melhor aqui”, afirma o historiador.
Com Francisco França (foto) não foi diferente. Ele desembarcou no Rio de Janeiro, em 1936, com uma carta de chamado do tio Antonio Ribeiro Costa. Mas, como representante de uma grande empresa do ramo de tecidos, foi transferido para Belém, em 1945. Depois de conhecer a esposa paraense, filha de portugueses, Maria Reis França, seu Francisco não saiu mais daqui.
A experiência no comércio de tecidos rendeu a Francisco França uma sociedade na tradicional Amourão e Cia, que ficava localizada na Rua 15 de Novembro, onde hoje funciona uma agência bancária. Nela trabalhou por cerca de 40 anos. “Para criar quatro filhos tive que me desdobrar no trabalho, mas contei com o apoio da minha esposa”, desabafa o português relembrando a companheira com quem passou quase 60 anos casado.
COMÉRCIO
O historiador Aldrin Moura explica que a imigração portuguesa no Pará passou a ocorrer, principalmente, a partir da década de 20, quando a presença deles era muito forte em vários setores do comércio. “Eles dominaram o comércio nas décadas de 20, 30 e 40. Criaram, inclusive, o curso técnico de contabilidade, já que ainda não existia faculdade”, conta Moura.
Francisco França, originário da Freguesia de São Martinho da Gandha, em Aveiro, teve grande participação em várias associações portuguesas. Foi um dos fundadores da Comunidade Luso-Brasileira do Pará, trabalhando ao lado de personalidades como Manoel Pinto da Silva, presidente da comunidade. Com forte formação católica, ele sempre se dedicou as obras sociais de algumas igrejas. Participou da construção do Santuário de Nossa Senhora de Fátima e da diretoria da festa do Círio de Nazaré. Hoje, ele ajuda uma igreja e um abrigo de idosos, no bairro da Cidade Velha. “Nós temos que ajudar sempre os que precisam”, destaca seu Francisco França.
O português também foi presidente da Beneficente Portuguesa, por cinco vezes. Participa da história da associação filantrópica desde 1971. Hoje, ele é um dos mais antigos sócios beneméritos e o único em condições de contar as histórias da instituição. Afinal, seu Francisco, com 90 anos, ainda mostra vitalidade e energia, que ele diz manter com cálices de um saboroso vinho do porto e caminhadas diárias. À frente de vários trabalhos filantrópicos, Francisco França ganhou muitas homenagens. A que lhe deu mais orgulho, recebeu na sua última gestão como presidente da Beneficente, em 2001, quando a instituição recebeu o título “Hospital Amigo da Criança”, da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Com grande orgulho, seu Francisco diz que foi muito bem recebido no Pará e declara um amor incondicional pela terra que adotou. “Adoro essa terra e não admito que falem mal dela”, defende o luso-paraense. Ele só lamenta que as autoridades da cidade das mangueiras não estejam preservando as árvores e a arquitetura construída por Antônio Landi, que considera relíquias.
FILHO SEGUE OS PASSOS DO PAI
Apesar de ter perdido a esposa no ano passado, Francisco França se diz feliz por ter encaminhado bem os filhos Francisco Roberto, Elvira, Maria José e Francisco José. O primogênito, Francisco Roberto, 58, engenheiro eletrônico, segue os passos do pai no trabalho voluntário à Beneficente Portuguesa, de onde, também, já foi presidente, por cerca de dez anos. “Aqui, nós tivemos uma formação muito boa, de princípios, de trabalho, honestidade, ética, valores cristãos, que seguimos e transmitimos para nossos filhos”, conta Roberto, orgulhoso da trajetória da família.
Aliás, Francisco Roberto tem orgulho dobrado pela história vitoriosa dos imigrantes da família. O avô materno, Manoel de Oliveira Reis, chegou em Belém, em 1910, com 13 anos. Também originário da Freguesia de São Martinho da Gandha, em Aveiro, ele veio sozinho em navio de portugueses imi¬grantes. “Meu avô veio sem familiares e com uma mão na frente e outra atrás por que em Portugal não havia perspectivas”, explicou.
Francisco Roberto conta que o avô, apesar de ser de uma família de lavradores, teve uma trajetória de comerciante. Logo que chegou a Belém, trabalhou na antiga Casa Inglesa, que ficava próximo da Estação das Docas. “Por ter trabalhado na área de porto, no meio de muitos estrangeiros, meu avô arranhava no inglês, no francês e no espanhol”, conta orgulhoso o neto.
Anos depois, Manoel Reis montou o Café Glória, que ficava no Ver-o-Peso, próximo à Praça do Relógio, onde a elite política das décadas de 40, 50 e 60 se reunia e discutia assuntos importantes para o futuro da capital. O comércio era conhecido pela qualidade do café, processado lá mesmo, desde a torrefação. “Eu vivi um pouco da história do Café Glória e costumava ir lá pra comer pastel com guaraná Soberano”, relembra Francisco.
De Portugal, o avô trazia barricas de vinho do porto, engarrafava e vendia no Café Glória. Com o slogan “Café Glória, o resto é historia”, o comércio existiu até a década de 80. Depois que o avô morreu, em 61, o filho Orlando deu prosseguimento aos negócios. “Meu avô era muito politizado. Conviveu com políticos importantes da época de Magalhães Barata”, revela o neto.
Em uma viagem a Portugal, Manoel Reis casou-se com Maria José, mas aqui tiveram e criaram os três filhos Maria Luiza, Orlando e Osvaldo. Todos constituíram família e vivem em Belém. Francisco Roberto conta a história do avô mostrando documentos já gastos pelo tempo, mas que ele guarda como relíquias. Entre eles estão o primeiro passaporte do avô e as carteirinhas de sócio da Tuna Luso Comercial (hoje Brasileira) e da Beneficente Portuguesa, que, na época, cuidava das pessoas que contraiam malária.
Na rua de Óbidos com a Ângelo Custódio, na Cidade Velha, ainda é possível admirar a arquitetura e a decoração, em estilo português, da casa da família, construída por Manoel Reis. Ao lado, construiu a indústria de torrefação do Café Glória, que primeiro foi artesanal e depois industrial. “Com a indústria de torrefação de café e o comércio Café Glória, meu avô teve grande importância na economia da cidade, oferecendo elementos básicos para a população da época”, defende o neto Francisco.
(Diário do Pará)

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